quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ausência



Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.



Vinícius de Moraes

1 comentário:

  1. Muito bonito este texto. Irei procurar acerca deste autor que não conhecia!
    Parece-me ser a descrição de um Amor impossível/platónico, que se um dia fosse alcançado teria o seu fim (deixaria de fazer sentido)

    O Amor tem esse dom, é capaz de nos manter eternamente agarrados a algo/alguém que aparente não tem sentido. Pois mesmo sabendo que dificilmente o iremos alcançar, mantemos a esperança...
    Mas julgo (e gosto de pensar assim), que depois de alcançado aquilo que com Amor tanto procuramos, a única coisa que deixa de fazer sentido é a procura, pois já encontramos o que procurávamos, podendo essa relação ser melhorada e trabalhada, no sentido de ser mantida.

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